Fux explana origem da autodeterminação informativa, entenda origem do fundamento

No último dia 18 (quinta-feira), em palestra realizada na Conarci 2021, o ministro Luiz Fux, também presidente do CNJ, explanou sobre origens e implicações de importante preceito da LGPD, pouco difundido pela doutrina e crucial para o aculturamento geral da população em proteção de dados: a autodeterminação informativa.

Oriunda do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, a autodeterminação informativa está relacionada nos dias de hoje, principalmente, ao condicionamento das atividades econômicas realizadas na internet e à liberdade individual dos titulares de dados pessoais.

De acordo com o ministro, a dignidade da pessoa humana surge no ordenamento jurídico após as atrocidades cometidas durante a segunda guerra mundial, e formalizada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 e publicada pela ONU.  Os trechos “ todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos” e “ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação” foram os recortes principais que deram sustento ao desenvolvimento da autodeterminação no contexto que a LGPD traz.

Anos depois, a Constituição Federal de 1988 consagraria o princípio da dignidade humana na base da promessa de uma sociedade justa e equitativa. De acordo com Fux, para ser concretizada, a dignidade demanda o poder da autodeterminação.

No entanto, cabe ressaltar que, especificamente se tratando do termo da autodeterminação “informativa”, não há qualquer precedente legislativo no Brasil em qualquer contexto, especialmente acerca de entendimento mais elaborado do tribunal.

Dessa forma, como abordaremos a seguir, a doutrina se debruça, principalmente, sobre as origens alemãs do  princípio em tela.

 A origem alemã da autodeterminação informativa

O case originário é alemão e, conhecido como “caso do censo”, julgado em 1983. Até o momento, mesmo a Alemanha, que já passava por intensa discussão pública a respeito da propositura da Lei de Proteção de Dados Federal, não havia entendimento fixado sobre o tema.  A repercussão levou mais de 1.600 reclamações constitucionais contra a Lei do Censo de 1982, onde quatro delas foram escolhida para fundamentar os debates do julgamento.

A Lei do Censo que fomentou a discussão determinava que dados como profissão, moradia e local de trabalho dos cidadãos fossem disponibilizados  ao Estado para análise de crescimento da população, bem como autorizava a comparação das informações concedidas com as constantes nos registros públicos, a fim de preencher possíveis lacunas administrativas.

Na decisão, o tribunal consolidou o entendimento utilizado até os dias atuais, o qual “ Não existem mais dados insignificantes” e que a que “hoje, com ajuda do processamento eletrônico de dados, informações detalhadas (…) de uma pessoa determinada (…) podem ser, do ponto de vista técnico, ilimitadamente armazenados e consultados a qualquer momento, a qualquer distância e em segundos”.

“Além disso, podem ser combinados, sobretudo na estruturação de sistemas de informação integrados, com outros bancos de dados, formando um quadro da personalidade relativamente completo ou quase, sem que a pessoa atingida possa controlar suficientemente sua exatidão e seu uso.

A decisão histórica reconheceu, portanto, com base no direito geral da personalidade consagrado na Grundgesetz, a Constituição Alemã, que “o livre desenvolvimento da personalidade pressupõe, sob as modernas condições do processamento de dados, a proteção do indivíduo contra levantamento, armazenagem, uso e transmissão irrestritos de seus dados pessoais, assegurando, assim, a proteção à autodeterminação informativa”.

Mesmo após a decisão, o termo só é pacificado nos anos 2000, quando mencionado pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

Autodeterminação informativa no contexto brasileiro

No caso do Brasil, uma das primeiras decisões seguindo o entendimento fixado no ordenamento alemão ocorreu em 2020, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6387), proposta pela OAB, contra a Medida Provisória 954/2020.

A MP em questão determinava que as empresas de telecomunicações compartilhassem dados pessoais de todos os seus clientes (na época, cerca de 226 milhões) com o IBGE para fins de pesquisas estatísticas, alegando emergência de saúde pública no contexto da pandemia de coronavírus. Na propositura da ADI, a OAB arguiu a inconstituicionalidade da MP pela “ausência dos requisitos da relevância e urgência, bem como a violação à dignidade da pessoa humana; à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas; ao sigilo dos dados e por ferimento ao princípio da proporcionalidade.”

Ademais, solicitou o reconhecimento da “presença no ordenamento constitucional brasileiro do direito fundamental à autodeterminação informativa, a ensejar tutela jurisdicional quando sua violação não for devidamente justificada por motivo suficiente, proporcional, necessário e adequado e com proteção efetiva do sigilo perante terceiros, com governança que inclua o Judiciário, o Ministério Público, a Advocacia e entidades da sociedade civil”.

Embora o próprio STF e demais cortes  tenham proferido diversas sentenças acerca do tema proteção de dados, a menção fundamentada ao direito de autodeterminação informativa ainda não havia sido mencionada.

Em sua decisão, a ministra relatora Rosa Weber determinou que “já se reconhecia que as mudanças políticas, sociais e econômicas demandam incessantemente o reconhecimento de novos direitos, razão pela qual necessário, de tempos em tempos, redefinir a exata natureza e extensão da proteção à privacidade do indivíduo. Independentemente do seu conteúdo, mutável com a evolução tecnológica e social, no entanto, permanece como denominador comum da privacidade e da autodeterminação o entendimento de que a privacidade somente pode ceder diante de justificativa consistente e legítima”.

Via: https://www.cnj.jus.br/dignidade-humana-esta-na-origem-da-autodeterminacao-informativa-da-lgpd-afirma-fux/