Justiça determina que Serasa interrompa venda de dados pessoais

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal determinou na sexta-feira (20) a suspensão da venda de dados pessoais de clientes pela empresa Serasa Experian. A decisão, fundamentada nos princípios da LGPD, só foi tornada pública nesta semana. A sentença deriva de uma ação civil pública ajuizada pela Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial (Espec) contra a Experian.


Não é a primeira vez que a empresa Serasa responde por tratamento inadequado de dados pessoais de seus clientes. Como apontado recentemente pela equipe lgpdnews, a empresa foi recentemente autuada por comercializar dados de clientes do Reino Unido sem qualquer base legal. 

Venda de dados por R$0,98


Na investigação conduzida pela própria Espec identificou-se que a empresa Experian comercializava dados pessoais de seus clientes a terceiros pelo preço de R$ 0,98 por titular cadastrado. As informações comercializadas consistiam em nome, endereço, CPF, números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social. O objetivo da venda consistia em publicidade direta, principalmente para empresas interessadas na captação de novos clientes. Estima-se que a Serasa tenha vendido dados pessoais de mais de 150 milhões de titulares brasileiros. 


Segundo o autor da ação, o promotor Frederico Meinberg, da Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial, “por R$ 0,98, a Serasa vende o núcleo da privacidade do cidadão brasileiro, consistente em nome, endereço, CPF, 3 números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social, para qualquer empresa interessada”. Ele frisa que os produtos em questão não têm qualquer vinculação com a proteção do crédito e sim com publicidade e captação de novos clientes.

Listas Online

Fonte: https://www.mpdft.mp.br/portal/pdf/comunicacao/SERASA_Full.pdf

A Serasa também oferece aos compradores das informações listas com nomes e CPFs, que classifica consumidores em 11 grupos e 40 segmentos a partir de características de comportamento e consumo.

Segundo o Agravo de Instrumento, pode-se comprar listas com grupos de CPFs extremamente específicos e taxativos. Segmenta-se, por exemplo, utilizando-se um filtro do sistema, dados denominados como de “Ricos e influentes” , “Elite urbana qualificada”, “idosos tradicionais de alto padrão”, “assalariados de meia idade nas grandes cidades”, “jovens protagonistas da classe média”, “no coração da periferia”, “pequenos negociantes do interior”, “jovens da informalidade”, jovens desprovidos”, “sertão profundo”, entre outros. 

Decisão anterior foi indeferida 

Anteriormente à publicação do Agravo de instrumento, uma decisão indeferindo o pedido de cessão de venda de dados pessoais pelo Serasa ocorreu. O juiz responsável pela sentença fundamentou a decisão de que a empresa estaria amparada pela base legal do legítimo interesse e da proteção do crédito. 

Argumentou, ainda, que, a despeito de os dados fornecidos se qualificarem como informações referentes à privacidade e à intimidade de pessoa natural ou jurídica, seriam dados habitualmente fornecidos pelos clientes e suas relações negociais e empresariais, razão pela qual não se caracterizariam elementos sigilosos ou confidenciais.

Ainda segundo o Agravo “ Asseverou, ainda, que, com relação às informações referentes ao perfil financeiro, poder aquisitivo, classe social, padrão de consumo, porte da empresa, ramos de atividade e triagem de risco, seriam elementos de interesse ao desenvolvimento econômico, à livre iniciativa, à livre concorrência e, portanto, à própria defesa do consumidor (art. 2º, incisos V e VI, da Lei 13.709/18), na medida em que são indispensáveis à proteção ao crédito.”

Princípios constitucionais violados

É sabido que para a correta aplicação de diretrizes de proteção de dados pessoais no Brasil, é necessário uma análise ampla, que abarque, além da LGPD, todas as demais normas de tratamento de dados, especialmente a Constituição Federal e o Marco Civil, por exemplo. 

Nesse sentido, nota-se que ao comercializar informações de clientes sem embasamento legal, fere-se tanto o direito à privacidade, como o direito à intimidade e à imagem, o que inclui o direito à proteção de seus dados pessoais. Ambos os direitos estão assegurados pela Constituição, que classifica a inviolabilidade da vida privada como um direito fundamental. Em âmbito infraconstitucional, por sua vez, a privacidade é classificada como um direito da personalidade, onde o cidadão deve possuir controle sobre seus próprios dados pessoais. 

Ademais, segundo o MPDFT, para que o tratamento de dados seja fundamentado no legítimo interesse do controlador é necessário que seus propósitos sejam legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular do dado, sendo que as finalidades do tratamento devem ser compatíveis com aquelas informadas ao titular. Ainda, o tratamento deve ser limitado ao mínimo necessário à realização de suas finalidades, trazendo clara obediência aos princípios da finalidade, da adequação e da necessidade preconizados na Lei Geral de Proteção de Dados (artigo 6º, incisos I, II e III, da Lei n. 13.709/20189).

 Quanto ao tratamento de dados fundamentado na proteção do crédito, devem ser observadas, além das disposições contidas na LGPD, as disposições constantes na Lei do Cadastro Positivo (Lei n. 12.414/2011) e no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990)


A decisão 

Frente aos argumentos propostos no Agravo de Instrumento, o desembargador César Loyola deferiu a  antecipação de tutela, determinando, dessa forma, a suspensão da comercialização de dados pessoais dos titulares por meio dos produtos “Lista Online” e “Prospecção de Clientes” do Serasa Experian. Em caso de descumprimento, uma pena de multa no valor de R$5.000,00 por cada venda efetuado em desconformidade com a decisão deverá ser aplicada. 

A decisão do desembargador ainda é passível de recurso.

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