Juiz ordena que Serasa interrompa venda de dados pessoais. Sentença gera polêmica

O juiz substituto da 5ª Vara Cível de Brasília confirmou, na última semana, a decisão liminar da 2ª Turma Cível do TJDFT que determinou que a Serasa Experian cesse a comercialização de dados pessoais de titulares por meio dos produtos de Lista Online e Prospecção de Clientes.

O início do enredo se deu pela propositura de uma ação civil pública proposta pelo  MPDFT contra o Serasa Experian, iniciada em Novembro de 2020, alegando que a ré comercializava ilegalmente dados e perfis detalhados de titulares por meio dos serviços “Lista Online” e “Prospecção de Clientes”.

O pedido de tutela de urgência para a interrupção da comercialização foi indeferido em primeiro grau, mas concedido em sede de Agravo de Instrumento.

Venda de dados por R$0,98


Na investigação conduzida pela Unidade Especial de Proteção de Dados e Inteligência Artificial, a Espec, identificou-se que o Serasa comercializava dados pessoais de seus clientes a terceiros pelo preço de R$ 0,98 por titular cadastrado. As informações comercializadas consistiam em nome, endereço, CPF, números de telefones, localização, perfil financeiro, poder aquisitivo e classe social. O objetivo da venda consistia em publicidade direta, principalmente para empresas interessadas na captação de novos clientes. Estima-se que a Serasa tenha vendido dados pessoais de mais de 150 milhões de titulares brasileiros. 

Menciona também que a própria ré informa em seu site como funciona o produto de Lista Online: “Com a Lista Online, você monta em poucos passos e através de filtros exclusivos, uma lista personalizada para encontrar novos clientes, com características aderentes aos produtos e serviços que comercializa. A ferramenta permite que você selecione o público (empresas ou pessoas físicas) e defina a quantidade de registros que deseja adquirir. A cobrança é feita por cartão de crédito ou boleto, de maneira fácil e rápida”.

Argumentos da sentença levantam dúvidas de especialistas

 O juiz de Direito substituto José Rodrigues Chaveiro Filho, da 5ª vara Cível de Brasília/DF, confirmou a liminar que determinou que a empresa interrompa a comercialização de dados pessoais. A decisão, contudo, foi criticada por especialistas pela ausência de fundamentação técnica frente à LGPD.

Na decisão, o juiz menciona ao longo de toda sua fundamentação a ausência do consentimento dos mais de 150 milhões de titulares como a maior problemática, se baseando no fato de que havia comprovadamente o interesse legítimo por parte da Serasa, faltando, dessa forma, apenas, a coleta do consentimento para que o tratamento exista na licitude.

“Desse modo, e a princípio, a coleta, tratamento e gerenciamento dos dados, a comercialização de informações e a classificação de riscos estariam dentre as finalidades da SERASA, o que lhe confere legitimidade e interesse.”

“Contudo, o que se extrai do art. 7º, da LGPD é que o consentimento pelo titular é a regra maior a ser observada para o tratamento de dados pessoais, tanto é que o § 4º, daquele dispositivo, prescreve textualmente – de forma a evitar dúvidas interpretativas – a dispensa do consentimento apenas para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular.”

“É exatamente por meio do consentimento inequívoco que o titular dos dados consegue controlar o nível de proteção e os fluxos de seus dados, permitindo ou não que suas informações sejam processadas, utilizadas e/ou repassadas a terceiros.” Afirma o juiz ao longo da sentença.

A magistrada e especialista em proteção de dados, Viviane Maldonado, publicou nesta semana uma breve análise da sentença, mencionando o caráter atécnico do documento.

“ Segundo a lógica do juiz:

Premissa 1: Não se trata de dados sensíveis. Fosse esse o caso, seria exigível o consentimento na forma do art. 11.

Premissa 2: Em sendo comuns os dados, haveria a dispensa do consentimento para a comercialização caso os próprios titulares houvessem tornado manifestamente públicos os seus dados na forma do art. 7o., par. 4o.

Premissa 3: como não houve a prova de que os 150 milhões de titulares disponibilizaram os seus dados pessoais publicamente, resulta que o Serasa deveria ter obtido o consentimento, até porque possui legítimo interesse para a comercialização, com base em seu estatuto social.

Conclusão: logo, a ação é procedente.

Seguramente essa foi a Sentença mais atécnica da qual tomei conhecimento.”

Além disso, há o que se falar sobre a ausência de menção dos princípios norteadores da LGPD, que, sabidamente, devem reger todo e qualquer tratamento que venha a ser fornecido aos  dados pessoais.

O caso do Serasa demonstra que, embora a LGPD esteja finalmente conhecida e sendo utilizada em sentenças que envolvam o tratamento de dados pessoais de forma ilícita, ainda há um longo caminho pela frente acerca de aprimoramento técnico dos julgadores do tema.

Você pode conferir a sentença na íntegra aqui.